Paulo Freire, na década de 60, foi indiscutivelmente, o primeiro a chamar a atenção dos educadores para a dimensão política do ensinar a ler e a escrever, defendendo o sentido dessa aprendizagem como emancipação do homem vinculada à própria possibilidade de “ler o mundo”. Nos anos seguintes, duas novas frentes de reflexão sobre a linguagem trouxeram contribuições para a compreensão da escrita e suas implicações pedagógicas. Por um lado, os estudos lingüísticos desconstruíram os argumentos etnocêntricos que defendiam a superioridade de algumas línguas ou dialetos sobre outros, denunciando, entre tantas outras implicações, o uso preconceituoso que sustentava a escola elitista. Ao contrariar mecanismos ideológicos fortemente arraigados em nossa sociedade, e particularmente na escola, o respeito à diversidade lingüística configurasse como um dos princípios de mais difícil assimilação. Por outro lado, as traduções e compilações de textos atribuídos a Bakhtin (1986, 1992) exerceram um considerável impacto no exterior, pouco a pouco incorporado pelos estudiosos brasileiros. Focando simultaneamente a produção e a recepção da linguagem, o autor valoriza a sua dimensão dialógica, desestabilizando todo o referencial monológico que amparava o ensino da escrita na escola. Além disso, longe de ser um exercício mecânico de reprodução de letras e grafismos, o ato de escrever pressupõe um contínuo processo de construção e reconstrução do e pelo sujeito. A escrita não só é compreendida como uma atividade de constituição lingüística formulada pelos enunciados (as efetivas unidades de sentido) sob a forma de gêneros discursivos, como também enquanto exercício dinâmico de constituição da pessoa. No início dos anos 80, a publicação dos estudos psicogenéticos iii colocaram em pauta a dimensão cognitiva do sujeito aprendiz que, até então, parecia estar subjugada ao método de ensino. Ao situar o aluno como centro da aprendizagem, o movimento construtivista deslocou o debate conceitual sobre “qual o melhor método” (silábico, fonético ou global) ou a busca pela “mais eficiente cartilha” para o desafio de ajustar
iniciativa pedagógica ao processo cognitivo. No campo da Psicologia, as traduções das obras de Vygotsky (1987,1988), e de seus colaboradores (Luria, 1986, 1990, Vygotsky e ali, 1988) ampliaram a compreensão dos processos de aprendizagem, mostrando que, para além das relações entre professores e alunos ou das iniciativas estritamente escolares, o conhecimento só ganha sentido no contexto sociocultural, no circuito determinado de valores, de significados, de expectativas, de possibilidades de interação e de práticas culturais historicamente construídas. Nos anos 90, o referencial sóciointeracionista favoreceu também a eclosão dos estudos sobre o letramento (Kleiman, 1995; Soares,1998, 2003; Street, 1984, Tfouni, 1995) colocando em evidência as diferentes dimensões do aprender a ler e a escrever: ao lado da compreensão do sistema da escrita, seu funcionamento, seu caráter convencional e suas especificidades, importa poder colocar esse conhecimento lingüístico a serviço de práticas socialmente contextualizadas. Mais do que assimilar um determinado saber, estar alfabetizado requer um rol de competências para a efetiva inserção no mundo letrado, o que, por si só, transforma a condição do sujeito na sociedade. No conjunto de tantos referenciais teóricos, não se trata evidentemente de forçar um entendimento reducionista e simplificador da escrita ou do processo de alfabetização, mas de trazer parâmetros essenciais para o posicionamento crítico na revisão das tradicionais práticas pedagógicas.
Acadêmica: Jane Cristina Reis dos Santos
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